quinta-feira, 24 de julho de 2008

Coisas de Bailes...

Lisboa estava cheia de bailes particulares, chamados "assaltos". Levava-se música em vinil ou fita, uns comes elas e uns bebes nós, os pais iam dar uma volta, e a malta enrolava os tapetes e pimba.
Nós éramos penetras. Íamos pela rua, ouvíamos música a saír das janelas, subíamos e perguntávamos se o U.C. já tinha chegado. Nunca cheguei a conhecer este U.C., mas lá que ele era muito popular, era. Estava em todas.
Diziam-nos que ele não estava, e iam dizendo para entrarmos, que era o que nós queríamos. Lá entregávamos a garrafinha de chá, e toca a bailar, sem sequer sabermos quem dava a festa e de quem era a casa e como se chamava a nina da casa.
Nessa altura, eu tinha um amigo do Marrocos, com quem praticava muito Francês, calão e tudo. Resolvemos dizer a todos que eu era estrangeiro, só falava francês e não percebia uma de português.
Lá me fui safando, ouvindo aquele francês macarrónico das ninas que queriam saber se eu gostava do Portugal e das garçonnes, ao que eu respondia mais ou menos fluentemente, para gozo do bando de penetras com que andava na época.
Mas havia um gajinho, bem à Tuga, que, quando soube que eu não falava português, andava sempre atrás de mim a gozar, chamando-me assim uns nomezitos. E eu não podia devolver, claro. Ouvia e sorria, pensando: "Deixa estar, pá, deixa estar."
Mas, entretanto, ia gozando da hospitalidade das ninas e da sua curiosidade pelo "estranjeiro".
Nisto, o JP veio ter comigo e levou-me para um canto, e sussurrou: "Eh pá, estás f..., porque a dona da casa quer conhecer-te, e ela é belga..."
Estou feito, pensei eu. Posso baratinar umas ninas e uns gajos, mas não consigo enganar uma belga. Vai ser um desastre...
Lá fui ter à saleta da senhora, que era de meia-idade e toda triques. Depois de meia-dúzia de frases, diz-me ela, em belo francês: "Mas você não é francês, tem um sotaque estranho... Que é você, afinal?"
Engoli em seco e disse-lhe que era marroquino branco, descendente de franceses (um pied noir, como se dizia). Ela respondeu, sorrindo para mim com os seus belos olhos azulados: "Ah, bom, isso explica tudo. Vá lá, volte lá para o baile, mon ami."
Aliviadinho voltei e tudo continuou até acabar a matinée. À saída da casa, lá estava o puto tuga a rir-se para mim e a preparar uma despedida.
Não teve tempo. Antes que ele abrisse o bi.co, despejei-lhe, a meia-voz, tudo o que de mais insultuoso e obsceno sabia, em bom português, e era muito, acreditem...
Os meus amigos gozavam que nem uns perdidos e a boca do nino ia-se abrindo até tocar nos pés.
Saímos todos quentinhos e bem comidos, aliviados do stresse, de mais uma das paródias urbanas daquela época.

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